quinta-feira, 13 de maio de 2021

JOHN RAWLS («A Teoria da Justiça como Equidade») | A tua Filosofia


A cultura americana não nos legou apenas donuts e wrestling – de modo obviamente menos relevante, há pessoas nos Estados Unidos da América a dedicar-se à filosofia; tal como Rawls, os filósofos acima referidos são americanos.

Robert Nozick iniciou as suas funções docentes em Harvard três anos depois de Rawls; e foi também três anos depois de Rawls ter publicado, em 1971, a sua obra “Uma Teoria da Justiça”, que Nozick lançou “Anarquia, Estado e Utopia” (felizmente, o lançamento, efetuado através de uma janela, não magoou ninguém, apesar do livro ser pesado). De acordo com Nozick, o princípio da diferença viola o prioritário princípio da liberdade. Garantir que as diferenças económicas funcionam ao serviço dos mais desfavorecidos exige, é certo, um Estado que redistribui a riqueza, cobrando mais impostos aos mais ricos para assegurar os direitos sociais dos mais desfavorecidos. Ora, para Nozick, essa cobrança de impostos, feita contra a vontade das pessoas, viola o seu legítimo direito à propriedade, uma das liberdades fundamentais; os impostos sobre o trabalho que visam redistribuir a riqueza são, portanto, como trabalho forçado. Enquanto que a perspetiva de Rawls conduz à defesa de um Estado Social, Nozick defende um Estado Mínimo: um estado que não tem funções sociais como saúde ou educação, assegurando apenas a paz social e o cumprimento dos contratos. O Estado Mínimo tem militares, polícias e tribunais – não tem assistentes sociais, professores e bibliotecários. Nozick pertence, pois, a uma corrente ultraliberal que considera a liberdade individual o único valor a defender: o libertarismo (não confundir com o libertismo, tese no domínio da discussão, diferente desta, sobre o livre-arbítrio). Para os libertaristas, apenas princípio da Liberdade e o da Igualdade de oportunidades defendido por Rawls, importa.

[ UPDATE: ligação para o vídeo da série "versus e critiquinhas" sobre a crítica de Nozick: https://www.youtube.com/watch?v=FbKBW... ]

Michael Sandel começou a ensinar em Harvard - bastante jovem - aproximadamente vinte anos depois de Rawls (e contou numa entrevista como recebeu, nos primeiros dias, um amigável telefonema de Rawls, que contudo o deixou nervoso pela magnitude do filósofo). Em 1981, dez anos depois da principal obra de Rawls, Sandel (talvez equipado com umas belas sandálias) publicou “O liberalismo e a esfera da justiça”. Diferentemente da matriz kantiana do pensamento de Rawls, cuja posição original com véu de ignorância concebe, ainda que hipoteticamente, as pessoas como agentes somente racionais, dando prioridade ao justo face a conceções particulares do bem, Sandel vai afirmar que tal metodologia é infrutífera. Não há pessoas assim concebidas e não vale a pena pensar assim, ainda que hipoteticamente. O comunitarismo (não confundir com comunismo, perspetiva política diferente e que aqui não abordamos) de Sandel ataca, pois, a posição original, já que defende que a comunidade precede a pessoa. Só há pessoas concretas, em comunidade, portadoras de uma conceção de bem que resulta da cultura dessa comunidade. Assim, Sandel aceitará os princípios de justiça de Rawls, mas discordará, por um lado, da metodologia filosófica que a eles conduz e, por outro, da prioridade dada ao princípio da liberdade.