Seleção de textos realizada pelo nosso colega Pedro Maia
a quem agradecemos a gentileza da cedência e a
autorização concedida para divulgação neste blogue
O problema da definição de arte
Respostas «essencialistas» (textos 1, 2 e 3)
Respostas «não-essencialistas» (textos 5 e 6)
Texto 1- A arte é representação
«A epopeia e a tragédia, bem como a comédia e a poesia ditirâmbica e ainda a maior parte da música de flauta e de cítara são todas, vistas em conjunto, imitações. Diferem entre si em três aspetos: ou porque imitam por meios diversos, ou porque imitam objetos diferentes, ou porque imitam de outro modo e não do mesmo. Assim como uns imitam muitas coisas, reproduzindo-as (por arte ou por experiência) através de cores e figuras e outros através da voz, assim também, nas artes mencionadas, todas realizam imitação por meio do ritmo, das palavras e da harmonia, separadamente ou combinadas. Se a música de flauta e de cítara e algumas outras artes similares, como a música de siringe, conseguem expressividade usando apenas a harmonia e o ritmo, a música dos dançarinos [imita], pelo ritmo em si, sem harmonia (pois os dançarinos, através de movimentos ritmados, imitam não só caracteres mas também emoções e ações).
Todavia, a [arte] que imita apenas com palavras em prosa ou em verso, podendo misturar-se diferentes métricas ou usar uma única, chegou até hoje sem nome.»
(Aristóteles, Poética, 1447a13 – 1147b, trad. Ana Maria Valente, Lisboa, F. C. Gulbenkian, 2018, 6ª ed., pp. 37-8; texto adaptado)
Texto 2 – A arte é expressão
«Para definir exatamente arte, é necessário, antes de tudo, deixar de olhar para ela como um veículo de prazer, e analisá-la como uma das condições da vida humana. Considerando assim a arte, não podemos deixar de ver que é um meio de comunhão entre as pessoas.
Qualquer obra de arte faz o recetor entrar numa espécie de comunhão com quem a produziu ou produz e com todos aqueles que simultaneamente ou antes ou depois dele tiveram ou terão a mesma impressão artística.
Assim como a palavra que transmite os pensamentos e as experiências das pessoas serve de meio de união das pessoas, do mesmo modo opera a arte. A particularidade deste meio de comunicação, que a distingue da comunicação por meio da palavra, consiste no facto de que pela palavra uma pessoa transmite a outra os seus pensamentos, enquanto através da arte as pessoas transmitem umas às outras os seus sentimentos.
A atividade da arte é baseada no facto de o homem que recebe pela audição ou pela visão a expressão do sentimento de outro ser capaz de experimentar o mesmo sentimento daquele que o expressou.
Os sentimentos, variadíssimos, muito fortes e muito fracos, muito significantes e muito insignificantes, muito maus e muito bons, desde que contagiem o leitor, o espectador, o ouvinte, constituem a matéria da arte. (...)
Provocar em si o sentimento já experimentado uma vez e, ao provocá-lo em si por meio de movimentos, de linhas, de cores, de sons, de imagens, de palavras proferidas, transmitir este sentimento de maneira a que os outros o experimentem – nisto é que consiste a atividade da arte. Portanto, a arte é uma atividade humana que consiste em alguém transmitir de forma consciente aos outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que experimenta, de modo a outras pessoas serem contagiadas pelos mesmos sentimentos, vivendo-os também.»
(Lev Tolstói, O que é a Arte?, 1898, trad. Ekaterina Kucheruk, Lisboa, Gradiva, 2013, pp. 79-82; versão diferente da teoria expressivista surge em R. G. Collingwood, The Principles of Art, 1938, segundo a qual a arte é essencialmente expressão de sentimentos, mas que o artista começa por nem sequer compreender, tentando clarificá-los: «O verdadeiro artista é uma pessoa que, lutando com o problema de expressar uma certa emoção diz: ‘Quero tornar isto claro’.» Cit. in Nigel Warburton, The Art Question, 2003, trad. Célia Teixeira: O Que É a Arte?, Lisboa, Ed. Bizâncio, 2007, p. 61)
Texto 3 – A arte é forma significante
«Pois todas as obras de arte visual têm uma qualidade em comum, ou quando falamos de “obra de arte” falamos sem nexo (...). Tem de haver uma qualidade sem a qual não pode haver obra de arte. Tendo-a, ainda que em grau mínimo, nenhuma obra de arte é completamente desprovida de valor. Que qualidade é esta? Qual é a qualidade partilhada por todos os objetos que provocam as nossas emoções estéticas? Qual a qualidade comum a Santa Sofia e às janelas de Chartres, à escultura mexicana, a uma taça persa, aos tapetes chineses, aos frescos de Giotto em Pádua, e às obras-primas de Poussin, Piero della Francesca e Cézanne? Parece-me que só há uma resposta possível: a forma significante. Em cada um destes objetos, uma combinação particular de linhas e cores, certas formas e relações entre formas, despertam as nossas emoções estéticas.»
(Clive Bell, Art, 1914, Oxford University press, 1987, trad. Carmo d’Oray)
Texto 4 – Resposta cética
«A teoria estética é uma tentativa logicamente vã de definir o que não pode ser definido, de indicar propriedades necessárias e suficientes daquilo que não tem propriedades necessárias e suficientes, de supor que o conceito de arte é fechado, quando o seu uso real revela e exige abertura.
(...) Um conceito é aberto se as suas condições de aplicação são reajustáveis e corrigíveis (...). Se podemos estabelecer condições necessárias e suficientes para a aplicação de um conceito, o conceito é fechado. Mas isto é algo que apenas pode acontecer na lógica e na matemática onde os conceitos são construídos e completamente definidos.
Arte é um conceito aberto. Surgem constantemente e continuarão sem dúvida a surgir novas condições (novos casos); aparecerão novas formas de arte e novos movimentos, que irão exigir uma decisão por parte dos interessados, habitualmente os críticos profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado. Os estetas podem estabelecer condições de similaridade, mas nunca condições necessárias e suficientes da correta aplicação do conceito.
O problema da natureza da arte é como o da natureza dos jogos, pelo menos nos seguintes aspetos: se olharmos realmente para aquilo a que chamamos “arte”, também não iremos encontrar qualquer propriedade comum – apenas cadeias de similaridades. Saber o que é a arte não é apreender uma essência manifesta ou latente mas ser capaz de reconhecer, descrever e explicar as coisas a que chamamos “arte” em virtude dessas similaridades.»
(Morris Weitz, «O Papel da Teoria na Estética», 1956, in Carmo D’Orey, O que É A Arte? Lisboa, Dinalivro, 2007, pp. 67-71)
Texto 5 – A arte é uma prática institucional
«Quando um artista de tempos passados pintava um quadro, fazia algumas das seguintes coisas (ou todas elas): representava um ser humano, retratava determinado homem, satisfazia uma encomenda, trabalhava para a sua subsistência, etc. Além disso, também era um agente do mundo da arte e conferia o estatuto de arte à sua criação. Os filósofos da arte só prestavam atenção a algumas das suas propriedades que os objetos adquiriam por intermédio destas ações, como por exemplo as suas características figurativas ou expressivas. Ignoravam completamente a propriedade não exibida do estatuto. (...)
O mundo da arte consiste num feixe de sistemas – teatro, pintura, escultura, literatura, música, etc. -, cada um dos quais proporciona um contexto institucional para atribuição do estatuto de objetos pertencentes ao seu domínio. Não se pode pôr limites ao número de sistemas passíveis de serem incluídos na conceção genérica de arte, e cada um dos principais sistemas engloba subsistemas. Estas características do mundo da arte fornecem a elasticidade que permite albergar toda a criatividade, incluindo a mais radical. (...)
Tendo descrito, de forma breve, o mundo da arte, estou agora em condições de especificar uma definição de “obra de arte”. A definição será dada em termos de artefactualidade e da atribuição de estatuto de arte ou, de forma mais rigorosa, da atribuição do estatuto de candidato a apreciação. Uma vez formulada a definição, será necessário clarificá-la: uma obra de arte no sentido classificativo é 1) um artefacto 2) ao qual foi atribuído o estatuto de candidato a apreciação por uma ou várias pessoas que atuam em nome de determinada instituição social.»
(George Dickie, «O que é a arte?», 1974, in Carmo D’Orey, O que É A Arte? Lisboa, Dinalivro, 2007, pp. 104-105)
Texto 6 – A arte é a renovação de uma tradição histórica
«Neste ensaio gostaria de começar por desenvolver uma alternativa à teoria institucional da arte, embora claramente se inspire nela. O que irei reter dessa teoria é a ideia crucial de que ser uma obra de arte não é uma propriedade intrínseca observável de algo, mas antes uma questão de estar relacionado do modo apropriado com a atividade e pensamento humanos. Todavia, proponho que se conceba essa relação em termos da intenção de um indivíduo (ou indivíduos) independente(s) — por contraste com um ato manifesto (o de conferir o estatuto de candidato a apreciação) realizado num enquadramento institucional constituído por muitos indivíduos — em que a intenção faz referência (de modo transparente ou opaco) à história da arte (ao que a arte tem sido) por contraste com essa instituição obscura e algo exclusiva, o mundo-da-arte. O núcleo da minha proposta será uma explicação do que seja um encarar-como-obra-de-arte, uma explicação que lhe dá uma historicidade essencial. Será isso a desempenhar na minha teoria o papel que se supõe que a noção de mundo-da-arte faz na teoria institucional. Que a arte é necessariamente retrospetiva (embora em alguns casos não o seja conscientemente) é um facto que a definição de arte tem de reconhecer. Ignorá-lo é perder de vista a única explicação satisfatória da unidade da arte ao longo do tempo e da sua evolução inerentemente contínua — o modo como a arte de um dado momento tem de envolver, por contraste com o mero suceder, aquilo que a antecedeu.»
(Jerrold Levinson, «Refining Art Historically», trad. V. Guerreiro: «Definir Arte Historicamente», cit. in Aires Almeida, A Definição de Arte. O Essencial, Lisboa, Plátano Ed., 2019, p. 83)